15/12/2021

Mariana gesticula para outras duas jovens e uma criança. Mariana está de cabelo preso, veste blusa preta e tem tatuagem no braço
Mariana Andrade (à direita, de camiseta preta) atua como mediadora de futebol de rua pelo Projeto Interpaz

Aos 17 anos, o Futebol de Rua chegou à vida de Mariana Andrade Fausto. Aos 24 anos, Mari, como é chamada pelas colegas, é jogadora profissional, representante da Rede Internacional de Jovens de terre des hommes Alemanha (tdhA) e educadora da Ação Educativa para aplicação da metodologia do Futebol de Rua (Futbol Callejero, em espanhol).

Por meio de um processo de formação na Rede Paulista de Futebol de Rua, iniciativa apoiada por tdhA, ela teve acesso a debates sobre questões de gênero, mediação de conflitos e alternativas para o diálogo. São esses ensinamentos que divide com as crianças que participam do Projeto Regional Interpaz.

Mariana começou jogando em várzea e, com 17 anos, foi convidada para a Copa América de Futebol de Rua, que aconteceu na Argentina. Foi participando das formações que conheceu o projeto. Um ano depois, a jogadora participou da Copa Sul-Americana. “Quando voltei já tinha decidido: queria ser mediadora”, conta.

A mediação reúne diversos papéis: é a figura de ‘’animadora’’, pois verifica se a quadra está disponível, e ao mesmo tempo, é quem coordena as atividades, mantém contato com as/os participantes e presta contas sobre as atividades dos polos de Futebol de Rua à coordenação. No jogo, o papel da mediação é facilitar o diálogo, problematizando os critérios pré-definidos pelo grupo no início da partida, para ajudar a entender se foram cumpridos ou não quando o jogo terminar.

O mais importante do Futebol de Rua é o 3º tempo

Momento de dialogar, rever o que aconteceu durante o jogo… É no terceiro tempo que os times formados por meninas e meninos se reúnem para conversar sobre tudo o que aconteceu durante dois primeiros tempos da partida. “Eu tento deixar claro que é um bate-papo. Eu não quero falar, quero ouvir”, explica. Mesmo em sua atuação profissional, ela conta que não abre mão do terceiro tempo.

Atuando como mediadora, estimula que as crianças se expressem sobre o jogo a seu modo. “Nessa hora, elas e eles refletem sobre seus atos, porque precisam ouvir o outro e entender quando magoaram alguém. Isso é importante porque todos se sentem invisíveis em algum lugar. É nesse diálogo que acontece a transformação.”

Futebol de rua, gênero e transformação

Muitas vezes as meninas encontram dificuldades para participar devido a barreiras culturais reforçadas até mesmo em casa: “futebol não é coisa de menina”. Mas não é só Mariana quem diz isso: a prática feminina só foi liberada no Brasil após 1979. Ainda hoje, assegurar que o futebol pode ser praticado por qualquer pessoa é um desafio.

Um dos motivos que fazem Mariana acreditar na prática do Futebol de Rua é a mudança provocada em sua própria vida. Mari conta que participar do projeto mudou seu comportamento, e sendo uma jogadora profissional, sempre lidou com a pressão para ter o melhor rendimento. “Mas o futebol não é só isso. Com o projeto, entendi que sou um ser político e sei que as crianças também aprendem isso.”

Ela destaca o incentivo ao diálogo como um dos principais benefícios da prática. “Muitas crianças moram em lares e comunidades em que convivem com violências. Aqui aprendem que pode ser diferente: sem brigas, com diálogo”, reflete.

A educadora já presenciou jogos entre pessoas em situação de rua e policiais, já ouviu mães de participantes contarem que seus filhos as ensinam a dialogar. “Depois de você, será a minha vez de falar”, dizem nas conversas em família.

Para Mariana, sua trajetória também apresenta novas perspectivas para as crianças. “É importante que elas e eles saibam que podem estar em todos os lugares. Quando conto a minha experiência, sei que isso as motiva.”